O contato com a diversidade na infância evita certos tipos de estranhamento desde cedo. Do mesmo jeito que a criança aprende a achar algo 'esquisito', ela aprende a achar normal. A criança vai sim ao brinquedo "procurando coisas". Os/as bonecos/as são, também, um ambiente em que a criança busca sua identidade. E o que geralmente elas encontram?
Não são genitálias, mas são corpos que seguem um padrão de beleza, são "homens" musculosos, "mulheres" magérrimas e peitudas, e ambos predominantemente com um padrão de traços europeu – branco, diga-se de passagem-, mulheres de cabelos compridos ou cortes "femininos", homens de cabelos curtos e cortes "masculinos", roupas com cores "de mulher ou de homem", ou seja uma enorme imposição de gênero. Mas ok, há aqueles brinquedos que têm como objetivo transmitir ao máximo a realidade, através das expressões das e dos bonecos e bonecas, de sua pele, forma, seus movimentos e até sons. E nestes há sim genitália. Mas claro, uma genitália normatizante, binária.
Sequer* se considera a/o intersexo, que já nasceu com a genitália "ambígua", imagine só quem, desde pequeno/a, já sofre com a falta de identificação com seu corpo (trans)? E todos eles e elas brincam!** E até em seu brinquedo não encontram um lugar confortável. Volto a afirmar: o contato desde cedo com as diferenças, redireciona o estranhamento: estranha-se o preconceito e não o diferente.
Existem no mundo pessoas cadeirantes, existem pessoas com “falta de membros”, existem pessoas negras, pessoas cuja genitália desviam da norma social, existem pessoas velhas, "feias", “gordas”, com Síndrome de Down... enfim, ELAS EXISTEM! A criança, assim como qualquer outra pessoa, irá interagir com elas em algum momento, não é mesmo?! Qual o problema em representá-las? Não seria a falta de representação, no sentido imagético mesmo, uma das causas do sofrimento psíquico de muitas delas? Porque a beleza refere-se somente as pessoas ditas normais, que se sentem inclusive no direito de desrespeitar e denominar quem não se parece com elas de anômalos/as e outras babaquices mais?
*Sequer porque, diferente dxs trans, essas pessoas já nascem com as duas genitálias mais ou menos desenvolvidas. É, portanto, um aspecto fisiológico, tão adorado pelxs biologicistas e religiosos da depressão, tão utilizado pra justificar preconceitos: “O que deus fez, homem não muda”, “não se pode ir contra a natureza” e bla bla bla...
**Acredito que a maioria dessas crianças realizem a cirurgia antes de entrarem em contato com sua genitália, mas somente de pensar nas condições sociais das crianças no mundo todo fica óbvio que nem todas passam por cirurgia ao nascer. Em ambas as circunstâncias, devemos pensar nos discursos ouvidos por elas, que por vezes revelam, posteriormente, sobre sua mudança.
Dificilmente uma criança que não têm condições de adquirir brinquedos, não entra em contato com eles por outros meios.
Ficam aí várias sugestões de pesquisa! ;)
Um pouquinho mais sobre os assuntos:
Ø Moda inclusiva:
(Não gosto do “Who is perfect” , mas confesso que chorei com as expressões das pessoas...)
Ø Deficiência não define, o gozo é inteiro:
Ø Mulheres negras , deficiência e invisibilidade:
Texto escrito por Enoe Isabela com ajuda de Matheus França que está correndo loucamente pra fazer o TCC, mas ainda conseguiu um tempinho pra ajudar! Ambos integrantes do Coletivo Fluidez.